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FREDERICO
MORAIS

1987

Ao longo de sua obra, que já dura mais de 20 anos, Maria do Carmo Secco vem reafirmando, de modo enfático, mas sempre renovado, seus processos criadores. Com efeito, sua estratégia tem sido a de avançar e recuar (continuidade e ruptura) em função das necessidades internas de sua arte, mas, também, em função de suas indagações existenciais e estéticas. Na verdade, ela recua para dar mais força ao próximo avanço, o tema renovando a linguagem e vice-versa.

Cada tema, abordado em séries sucessivas ou paralelas, evolui da carne ao osso, do nervo ou víscera ao puro conceito, da figura à abstração, do enfoque expressionista à construção. A casa, por exemplo. Ela surge inicialmente em sua obra envolta na neblina da memória, iluminando-se no fim da estrada, após vencer a artista o barranco ou muro, reduz-se em seguida ao anônimo jogo de armar da criança, cada peça levada ao papel na forma de um carimbo. A casa reduzida ao alfabeto da casa, como a arte reduzida ao alfabeto da arte.

Mas alcançada a estrutura, é preciso novamente tematizar, porque a vida não é apenas ossatura, é feita também de sangue. É signo e símbolo.

Maria do Carmo Secco, que nos anos 60 esteve vinculada à figuração narrativa, influenciada pela POP, retomou a pintura em 1980, depois de um período dedicado ao desenho. Um desenho que nos anos 70 funcionou quase sempre com uma discussão sobre os procedimentos da pintura. Desse período inicial, figurativo, ela guardou para sempre, uma vontade narrativa, perceptível ainda hoje quando sua pintura se mostra mais abstrata e construída.

Maria do Carmo Secco faz e refaz continuamente o mesmo percurso, percurso que é, também, o que vai do olho à mente, do ofício ao conceito. Por isso mesmo, com freqüência tem recorrido a uma forma semi-circular, em arco, que guarda analogias com a oca indígena, com a montanha e o corpo. Como se esta forma fosse uma síntese das três linhas temáticas que vem marcando sua pintura desde o início: é corpo, casa, paisagem (cosmos).

Esta forma, que um dia ela chamou de casa/corpo, está de volta à sua pintura atual. Porém como puro signo plástico,como se a artista quisesse, mais uma vez, expurgar de sua pintura qualquer conteúdo literário. Não por acaso, suas novas telas não levam títulos, diferentemente das séries anteriores. A artista quer fazer pintura, nada mais.

O que antes era alusão à tríade temática, agora são planos de cor que se atraem ou mesmo se tocam num diálogo constante com a superfície da tela. Esses planos-forma parecem indecisos entre permanecer agarrados à superfície bidimensional, com a ajuda de faixas de cor nas extremidades da tela, ou adentrar o espaço e, assim, ganhar profundidade. Em outras palavras, o que a artista nos propõe é um diálogo entre as formas e planos, entre retas e curvas, entre o geométrico e o orgânico. A memória do corpo ou paisagem transfere-se para a pincelada, está incorporada à cor, que é trabalhada em camadas sucessivas, resultando em uma matéria aveludada. A pintura finalmente se impõe: densa, forte, sensual.

Frederico Morais - Agosto  de 1987

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